Há livros que se lêem uma vez apenas, há outros que se repetem. Este do Miguel Esteves Cardoso é um deles. Simplesmente delicioso. De 1994 mas sempre actual :)
A certa altura decidi que mais valia estar sozinho.Nunca na minha vida arranjei tantas namoradas.A Teresa já tinha morrido há dez anos, a minha primeira paixão por ela já tinha mais ou menos passado e parecia-me a ocasião ideal para me isolar do mundo do qual tão demoradamente me tinha fartado.
Porque é que as mulheres não resistem a um homem que quer mesmo estar sozinho,que nem sequer quer estar com os amigos, ou ter amigas só para ir para a cama com elas, sobretudo quando tem uma casa grande?
Não se pode ficar sozinho e bem disposto neste mundo.Para garantir uma solidão minimamente desacompanhada é preciso estar-se triste.
(...)
O meu período <só> foi assim : um corropio. As raparigas entravam por uma porta e saíam por outra no dia seguinte. Só faltava distribuir senhas de supermercado.Raramente se cruzavam,note-se. Cada uma era atendida no seu tempo, com um toque personalizado.Se calhar combinavam entre elas. Capaz disso eram elas – tal era o desrespeito em que me tinham. Só sei que muitas delas eram amigas umas das outras. Sei porque era destas que menos gostava. Foder uma amiga duma amiga é chato, como sair um cromo repetido. (...) Tira um bocado o tesão, esta familariedade.
(...)
Uma vez surpreendi-me tanto como uma delas que me tirou o tesão durante vinte e quatro horas. Era uma professora de liceu, de cabelo curto, daquelas que têm <aventuras> e depois vão bufar tudo para as revistas femininas, descrevendo-nos com displicência - «ele foi apenas um instrumento para me vingar do Alexandre..»; tanto fazia aquele como outro; eu precisava era de perder a cabeça – estão a ver o gênero.
Ela própria pediu-me a meia-foda, que a «tratasse mal».
Confesso que não percebi.Apeteceu-me dizer-lhe «Ó filha, isso levava anos...!» Mas pedi esclarecimentos.
«Mal como ?», intrigado
«Tu sabes...»ofegante, já envergonhada de ter falado, por causa do pequeno intervalo que criei com a minha dúvida.
«Queres que eu te maltrate?»
«Não....trata-me bem» e mais ousada, com aquela cara anos 30 que as mulheres faziam quando queriam passar por malandras «Estás-me a tratar tão bem...»
E logo a seguir : «Mmmm...»
Calei-me e continuei.
Ela repentinamente desesperada, abrandando o passo : «Então?»
E eu, perspicaz, não fosse pôr em perigo a foda : «Queres que eu te chame nomes?»
Ela corou. Juro.
Eu repeti, na voz que se usa com crianças muito novas e que todas as raparigas apreciam nesta ou naquela outra altura das suas vidas :«Minha malandra....tu queres que eu te chame nomes...»
E comecei «Tu és uma desavergonhada...»
E ela, primeiro : «Nao»
E depois, acelerando «Sou! Sou sim! »
Eu : «ordinária»
Ela : « não...não...não »
(...)
(...)
Eu, de cabeça igualmente perdida, incapaz de encontrar mais sinónimos, ou nomes ainda mais reprováveis, limito-me a um simples e pouco significativo : «Puta»
Pára tudo.
Pronto. Já ninguém nesta casa se vai vir.
Ela diz : «isso não »
Eu,verme : «desculpa»
«Não», repete, começando a arranjar a roupa, «Isso é que não»
Está mais composta do que no momento em que meti conversa com ela. Ó sorte.
Comecei a rir.Foi obra santa, porque perdi o tesão todo.
Perguntei-lhe se havia alguma lista que eu pudesse consultar.
Ela : «Detesto as pessoas que abusam...detesto!» Está à procura das cuecas, o que lhe tira alguma credibilidade.
E «vaca»? É permitido vaca ou só porca?
Ela, não sei quê, de dar um dedo e tomarem-lhe logo a mão inteira, ainda não encontrou as cuecas.
Eu acho que a minha casa come cuecas. Chupa-as pelas frestas entre as tábuas, para dar de comer ao caruncho. É uma espécie de negócio.
(...)
Ela veste os jeans sobre o rabo nu.Rabo bom. Pena. Podíamos ter sido amigos. Podíamos ter sido...partenaires!
Sai de minha casa e lembra-se que não tem dinheiro para o taxi.
Bate fortemente.
«Para onde será desta vez?» pergunto eu, arrastando-me para a porta.
É para longíssimo.Dois contos. Toma que é para aprenderes. Ela recebe o dinheiro como se fosse um direito humano.
«Amanhã pago-te»
E eu não resisto a dar uma facadinha também: «Deixa lá...não tem importância»
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