sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Leonard Cohen -10.09-10


Concertos que acabam com ovações de pé há muitos. Já concertos que começam assim, não se veem tantos. Mas foi isso mesmo que aconteceu ontem à noite quando, depois da entrada dos músicos em palco, recebidos com aplausos educados, a plateia do Pavilhão Atlântico rejubilou com a terceira "aparição" em três anos de Leonard Cohen em Portugal. Cohen, não é demais recordá-lo, completa 76 anos ainda este mês, mas provou ser capaz de resistir a três horas de "jogo jogado" - o concerto começou às 21h15 e acabou perto da 01h00, com um intervalo de cerca de 20 minutos pelo meio. Mais de 40 anos após o primeiro disco - Songs of Leonard Cohen , de 1967 - o canadiano atraiu à maior sala de Lisboa um público diverso: distribuídos por bancadas e plateia sentada contavam-se não só os mais finos trajes e penteados, como alguns orgulhosos detentores de visuais indie, góticos ou metaleiros (não esquecer que é de Leonard Cohen a canção "Sisters of Mercy"), numa multidão cujas idades, a olho nu, diríamos quedar-se entre os 30 e os 60 anos.

Aos 76 anos, dizíamos, o criador de "Hallelujah" não tem dificuldade em ajoelhar-se durante várias canções nem em protagonizar saltitantes regressos ao palco, entre encores ou após momentos entregues às suas três belíssimas cantoras de apoio (Sharon Robinson, que já compôs e gravou com Cohen, e as maviosas Webb Sisters, donas igualmente de uma carreira autónoma e que, na reta final do concerto, acompanharam "If It Be Your Will", colheita Cohen de 1979, com harpa e guitarra). Mas, num primeiro embate, é a voz, e não a agilidade física ou o sorriso matreiro, que impressiona em Leonard Cohen. Na sua oitava década de vida, a voz de "Bird on a Wire" reveste-se de uma solenidade e gravidade a fazer lembrar as rugas e gravilha dos derradeiros anos de Johnny Cash. O seu barítono rastejante começa por servir "Dance Me To The End of Love" ("Já me estou a arrepiar", avisou uma espetadora atrás de nós), que desde logo serviu de apresentação aos arranjos que estas canções envergam em 2010. Porventura graças à presença na banda do espanhol Javier Mas, alguns dos temas soaram vagamente mais mediterrânicos (a Mas cabe tocar bandúrria, instrumento da família do bandolim, e guitarra de 12 cordas). A "pedal steel" de Bob Metzger encarregou-se de instalar a a folk no coração do espetáculo, ao passo que o saxofone de Dino Soldo nem sempre soou suficientemente distante de uns anos 80 menos subtis, e os teclados de Neils Larsen pintalgaram o conjunto com garrida tinta soul/gospel. Estas foram as linguagens mais faladas na primeira parte do concerto, uma viagem serena com pontos altos em "Ain't No Cure For Love", "Bird on a Wire", "Everybody Knows", "Chelsea Hotel #2" ou "Anthem", entregue à segura e aplaudida Sharon Robinson.

Trajando, como habitualmente, fato escuro e chapéu, Cohen pareceu, ao longo da primeira parte, mais convincente quanto mais próximo da sua imagem de "cavalheiro das trevas", envolto num certo ascetismo evidente em "Everybody Knows" ou "Who By Fire". Esta ideia saiu reforçada com a segunda metade do espetáculo, cujo poderoso trio de abertura passou por "Tower of Song" - misteriosa, a flutuar entre os sintetizadores manuseados pelo próprio Cohen - "Suzanne" e "Sisters of Mercy". Por muitos e merecidos elogios que o artista tenha tecido aos seus músicos, vê-lo cantar qualquer uma destas músicas praticamente sozinho, ou com a banda em estado dormente, é ficar com a impressão de que Cohen, a sua voz e a sua aura seriam suficientes para encher e maravilhar o Pavilhão Atlântico. Mesmo que esqueçamos tudo o que sabemos sobre a sua aplicada estada num mosteiro zen, a verdade é que, do rigor com que, muitas vezes de olhos fechados, se atira a cada sílaba e balbucia cada palavra emana uma quase religiosidade que hipnotiza os presentes.

Depois, claro, há os clássicos que Leonard Cohen ofereceu ao mundo e o mundo agradeceu, absorveu e retribuiu ontem à noite - de "Hallelujah", uma das canções com mais versões no planeta e que no Atlântico bateu o recorde de telemóveis acesos na plateia, a "I'm Your Man", com o nosso homem a tirar marotamente o chapéu (um de muitos truques simples mas de eficácia garantida), passando por "So Long, Marianne" (a loucura e a celebração possíveis, com o público já de pé) e "Famous Blue Raincoat", com a fatal assinatura sussurrada ("Sincerely, Leonard Cohen") a arrebatar corações numa noite de quentes afetos. À beira destes pequenos grandes êxtases, nos quais se contam ainda os sorrisos trocados por ídolo e fãs em "First We Take Manhattan", a despedida ao som de "I Tried To Leave You" e "Heart With No Companion" acabou por servir mais para acalmar do que para exaltar os ânimos. Ao mesmo tempo, ficou provado o que já suspeitávamos: esta pode ter sido a terceira "volta de honra" de Leonard Cohen em Portugal, mas ninguém como este cavalheiro para colher os louros com tanta elegância e dignidade.

LEONARD COHEN NO PAVILHÃO ATLÂNTICO, 10 DE SETEMBRO DE 2010 - ALINHAMENTO

1. Dance Me To The End of Love
2. The Future
3. Ain't No Cure For Love
4. Bird on a Wire
5. Everybody Knows
6. In My Secret Life
7. Who By Fire
8. The Darkness
9. Born In Chains
10. Chelsea Hotel #2
11. Waiting For The Miracle
12. Anthem
(segunda parte)
13. Tower of Song
14. Suzanne
15. Sisters of Mercy
16. The Gypsy Wife
17. Feels So Good
18. The Partisan
19. Boogie Street
20. Hallelujah
21. I'm Your Man
22. Take This Waltz
Encores
23. So Long, Marianne
24. First We Take Manhattan
25. Famous Blue Raincoat
26. If It Be Your Will
27. Closing Time
28. I Tried To Leave You
29. Heart With No Companion

Texto de Lia Pereira



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