quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Fazer as pazes, texto de MEC

Para fazer as pazes é preciso haver uma guerra. Mas, quando não há uma guerra ou só a suspeita, ou ciúme, de haver uma ameaça, ou uma desatenção, de a paz que encanta e apaixona, se tornar num hábito, as pazes ficam feitas e celebra-se essa felicidade.
O conflito e a diferença de personalidades - a identidade pessoal de cada um e quanto estamos dispostos a sacrificarmo-nos por defendê-la - são grossamente exagerados. É a necessidade de se achar que se é diferente - nos afectos, nas necessidades - que provoca todos os mal-entendidos e a maior parte das infelicidades.
Muito ganharíamos - se perdêssemos só o que temos de perder e amargar -, se partíssemos do princípio que somos todos iguais, homens e mulheres, eu e tu, eles e nós. E que é o pouco que nos diferencia e distancia, por muito caro que nos saia, que consegue o milagre de tornarmo-nos mais atraentes uns aos outros.
As guerras imaginadas são mil vezes melhores do que as verdadeiras. A ilusão da diferença (de personalidades, sexos, sexualidades, culturas - e tudo o mais que arranjamos para chegar à ficção vaidosa que cada um é como é) passou a ser o que apreciamos ser a nossa nociva e dispensável individualidade.
A melhor maneira - a única - de fazer as pazes é reconhecer que não houve guerra. Vale apenas o pressentimento humilde e paranóico de um vago desejo, da parte das duas partes amadas, de exprimirem hostilidades, por muito indesejadas e inexistentes. Que nem isso foram.

Miguel Esteves Cardoso, in 'Jornal Público (1 Jul 2011)'


A Felicidade é uma Interrupção de Futilidade, texto de Miguel Esteves Cardoso

É nas decisões fúteis, das quais nem a vida nem o estado de espírito depende, que reside a felicidade.
São estes os dias felizes, que Beckett invoca e amaldiçoa, por terem passado, na peça que tem o mesmo nome. Somos sobressaltados por ninharias, que conseguem fazer-se passar por importantes, como escolher entre uma camisa do verde do mar ou do azul do céu.
As decisões fúteis, quando a cabeça é desocupada daquilo que a preocupa, para se ocupar de uma ninharia, como decidir entre o ruivo ou o rascasso ou entre a pêra -pérola e a carapinheira, são o indício seguro da felicidade. Se a escolha primária é entre continuar a viver e deixar de viver e as escolhas secundárias são afluentes da primeira, devemos dar graças.
São uma sorte temporária e alegre a oportunidade e a ocupação mental que nos permitem pensar mais naquilo que nos interessa, sem interessar, do que naquilo que nos deveria interessar, caso estivéssemos tão aflitos que não conseguíssemos pensar noutra coisa senão sobreviver.
Quanto mais tempo perdermos nas escolhas e nas questões de que não dependem as nossas vidas ou as nossas almas - naquelas que não interessam, a bem ver, nem a umas nem a outras - maior é a nossa felicidade.
O luxo é não escolher. A felicidade é uma interrupção de futilidade. A felicidade é uma falta de importância.

Miguel Esteves Cardoso, in 'Jornal Público (26 Jul 2011)'


Quando nos apaixonamos . texto de Miguel Esteves Cardoso

Quando nos apaixonamos, ou estamos prestes a apaixonar-nos, qualquer coisinha que essa pessoa faz – se nos toca na mão ou diz que foi bom ver-nos, sem nós sabermos sequer se é verdade ou se quer dizer alguma coisa — ela levanta-nos pela alma e põe-nos a cabeça a voar, tonta de tão feliz e feliz de tão tonta. E, logo no momento seguinte, larga-nos a mão, vira a cara e espezinha-nos o coração, matando a vida e o mundo e o mundo e a vida que tínhamos imaginado para os dois. Lembro-me, quando comecei a apaixonar-me pela Maria João, da exaltação e do desespero que traziam essas importantíssimas banalidades. Lembro-me porque ainda agora as senti. Não faz sentido dizer que estou apaixonado por ela há quinze anos. Ou ontem. Ainda estou a apaixonar-me.

Gosto mais de estar com ela a fazer as coisas mais chatas do mundo do que estar sozinho ou com qualquer outra pessoa a fazer as coisas mais divertidas. As coisas continuam a ser chatas mas é estar com ela que é divertido. Não importa onde se está ou o que se está a fazer. O que importa é estar com ela. O amor nunca fica resolvido nem se alcança. Cada pormenor é dramático. De cada um tudo depende. Não é qualquer gesto que pode ser romântico ou trágico. Todos os gestos são. Sempre. É esse o medo. É essa a novidade. É assim o amor. Nunca podemos contar com ele. É por isso que nos apaixonamos por quem nos apaixonamos. Porque é uma grande, bendita distracção vivermos assim. Com tanta sorte.

Miguel Esteves Cardoso, in 'Jornal Público (14 Fev 2012)'

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Reflexão de final de semana



Neste dia frio de Inverno, apetece-me voltar. Ao Blog. Para falar , desabafar, dizer o que me vai na alma, reclamar, chorar, entristecer.
Sou uma alma amargurada, vazia e seca. Sou uma angustiada, como mulher , como útero, como ser humano. Ninguém consegue perceber as minhas angústias como pessoa. Ultrapassam-me , e ultrapassam quem me rodeia. Julgam-me feliz, bem casada. Pensam em mim e acham que não tive filhos por opção - as mesma pessoas que acham que casar é que interessa , o resto vem com isso. Ou não vem - que sabem as pessoas de mim? Nada. Ninguém me conhece, que pena. Um dia ninguém vai chorar a minha morte, nem sentir a minha falta. Ninguém consegue perceber as angústias que me invadem e me ferem sem dó nem piedade. Gostava de ser como as outras mulheres que essas sim, são felizes, não têm marido mas tiveram e pariram e sentiram dores reais, físicas. Ou então como as outras, gostava de ser como as outras que têm toda a atenção e toda a paciência daquele que ma devia dar a mim, por direito. Eu sinto as dores imaginárias de uma quase mulher feliz, de uma quase mãe, de uma quase maluca e tresloucada-que-precisa-de-tratamento.
Não tenho direitos, não tenho casa a-casa-é-minha-eu-é-que-mando, sou como uma amante escondida, fechada,limitada. Tenho marido e um corpo presente ao meu lado na cama, às vezes frio. Não tenho nada, nem sequer me tenho a mim.