terça-feira, 7 de março de 2006

amar



(recebida por email )


Quando as pessoas se amam e querem se amar, selam um pacto: dormir juntas.
E quando se fala "dormir juntos" o sentido é duplo: significa primeiro amar acordado em plena vigília da carne, mas, depois, na lansidão do pós-gozo,
deixar os corpos lado a lado, à deriva, dormindo, talvez.
Na verdade, os amantes, quando são amantes mesmo, mesmo enquanto dormem se amam.
Agora ouça esses versos de Aragón cantados por Ferat:
"Durante o tempo que você quiser Nós dormiremos juntos".E penso. É um projeto de vida, dormir juntos, continuamente.
A mesma ambigüidade:
dormir/amar juntos, dormir/acordar juntos, ou então, dormir/morrer de amor juntos.
Deve ser por causa disto que os franceses chamam o orgasmo de "pequena morte".
Deve ser por isto que os amantes julgam poder continuar amando mesmo através da morte, como Inês de Castro e D. Pedro,que foram sepultados um diante do outro,para que no dia do reencontro um seja o primeiro que o outro veja.
Amor: um projeto de vida, um projeto de morte.
Se numa noite dessas o vento da insônia soprar em suas frestas,
repare no corpo dormindo despojado ao seu lado.
Ver o outro dormir é negócio de muita responsabilidade.
Mais que ver as águas de um rio represado gerando uma fábrica de sonhos,
é ver uma semente na noite pedindo um guardião.
Pode ser banal, mas é isto: amar é ser o guardião do sonho alheio.
Os surrealistas diziam:
o poeta enquanto dorme trabalha.
Pois os amantes enquanto dormem, se amam.
Se amam inconscientemente ,quando seus desejos enlaçam raízes e seivas.
O pé de um toca o pé do outro,a mão espalmada corre sobre o lençol e toca o
corpo alheio e, dormindo, se abraçam animados.
Quando isso ocorre, pode ter vários significados.
Talvez um tenha lançado um apelo silencioso ao outro:
"Ajude-me a atravessar esse sonho", ou: "Venha, sonhe esse sonho comigo,
é bonito demais".
E o outro, às vezes, sem se mexer,parte em seu socorro.
É que certos sonhos,sobretudo os de quem ama,
não cabe num só corpo.Transbordam os poros da noite e
pedem cumplicidade.
E se há um pesadelo, aí um se agarra ao tronco do outro na crispação do instante, e o corpo do parceiro é bóia na escuridão.
Por isto, no ritual do casamento,quando o sacerdote indaga
se os que se amam sabem que terão que se socorrer na saúde
e na doença, na opulência e na miséria etc...
deveria se inserir um tópico a mais e advertir:
... amar é ser cúmplice do sonho alheio.
Passar a metade da vida dormindo ao lado do outro.
Há pessoas que vivem 25 anos - bodas de prata, 50 anos - bodas de ouro,
75 anos - bodas de diamante - ao lado do outro,e não sabem com que o outro sonha.
E há quem passe uma tarde,uma noite ou uma temporada ao lado
de um corpo e sabe seus sonhos para sempre.
Engana-se quem escuta ,o silêncio no quarto dos que amam.
Estranhos rumores percorrem o sonho alheio.
Não é o rugir do tigre pelas brenhas.
Não é o bater das ondas na enseada.
Nem os pássaros perfurando a madrugada.
São os sonhos dos amantes em plena elaboração.
E se numa noite dessas o vento da insônia de novo soprar em suas frestas,
olhe pela janela os muitos apartamentos onde pulsam dormindo
os amorosos.

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